
Presidente da República pode enviar mudanças na Lei de Estrangeiros para o Tribunal Constitucional até 16 de outubro. O prazo final para sancionar ou não o pacote é 28 de outubro.
O pacote anti-imigração, aprovado pela Assembleia da República em 30 de setembro pelos partidos que dão apoio ao Governo de Luís Montenegro, em aliança com o Chega, da direita populista radical, e a Iniciativa Liberal, foi enviado nesta quarta-feira (08/10) pelo Parlamento à Presidência da República. A partir de agora, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem até 16 de outubro para enviar as mudanças feitas na Lei de Estrangeiros para avaliação do Tribunal Constitucional e até 28 de outubro para promulgá-las ou vetá-las.
A data de envio para a Presidência da República deve-se ao prazo que os parlamentares têm para reclamar de qualquer ponto do projeto aprovado. O Governo pretendia que o pacote anti-imigração fosse enviado para apreciação de Marcelo o mais rapidamente possível. Por lei, são reservados três dias úteis, após a publicação das medidas aprovadas pelo Diário da Assembleia da República, para que qualquer integrante do Parlamento possa apontar erros de redação ou se o texto não corresponde ao que foi votado.
As mudanças na Lei de Estrangeiros preveem que os imigrantes com filhos menores ou responsáveis por incapazes possam pedir, imediatamente, o reagrupamento familiar. Sem essas condições, para requerem o reagrupamento familiar, os estrangeiros que vivem em Portugal terão de comprovar, no mínimo, um ano de residência no país e que os cônjuges ou companheiros moraram juntos na mesma casa por um ano nos países de origem. Para os demais casos, o reagrupamento só poderá ser feito depois de dois anos documentados em território luso.
Brasileiros atingidos
O pacote anti-imigração acaba com a possibilidade de brasileiros e outros cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) entrarem em Portugal como turistas em Portugal e, já em território luso, pedirem o título de residência. Mais: os vistos de procura de trabalho ficarão limitados a trabalhadores “altamente qualificados”. Esses vistos são mais demandados pelos brasileiros, assim como o reagrupamento familiar.
Se sancionada pelo Presidente da República, a nova Lei de Estrangeiros limitará as ações judiciais contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Só será permitido recorrer aos tribunais em casos comprovadamente graves, “que não possam ser resolvidos pelos meios cautelares disponíveis”. Para os imigrantes que ficam anos à espera dos títulos de residência, todos os casos são graves, porque a demora no atendimento pela AIMA inviabiliza a vida de muita gente.
Tribunal Constitucional
Este é o segundo pacote anti-imigração aprovado pela Assembleia da República. Da primeira vez, em junho deste ano, a lei foi derrubada pelo Tribunal Constitucional, que considerou que cinco normas da proposta eram abusivas, ferindo direitos humanitários e constitucionais dos imigrantes.
As normas vetadas separavam famílias por muito, pois exigiam, no mínimo, dois anos de residência para pedir o reagrupamento — sem considerar os anos de espera por um atendimento pela AIMA —, deixavam a critério do Governo e não do Parlamento a definição dos requisitos para se requerer a reunião das famílias e impunham regras dacronianas para que os imigrantes recorressem à Justiça contra a agência para migrações.
Na discussão sobre a aprovação das mudanças na Lei de Estrangeiros, o ministro da Presidência do Conselho de Ministros, António Leitão Amaro, afirmou: “Lemos com cuidado a decisão do Tribunal Constitucional e fizemos os ajustamentos necessários”.
Problemas continuam
Segundo a advogada Tatiana Kazan, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa deveria enviar o texto novamente ao Tribunal Constitucional, pois, na opinião dela, as mudanças realizadas pelo Governo na legislação mantêm inconstitucionalidades. Ela indica três normas em que isso fica claro: na limitação do reagrupamento familiar, na forma como são tratados os cidadãos da CPLP e no condicionamento dos juízes.
Em relação ao reagrupamento familiar, ela cita os problemas. “É muito grave, tendo em conta que vai contra uma diretiva europeia. Segundo a diretiva 2003/86/CE, o reagrupamento é necessário para permitir a vida em família, além de contribuir para a criação da estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros, promovendo a coesão econômica e social”, afirma.
Sobre os cidadãos da CPLP, ela registra que a proposta aprovada pelo Parlamento tira a possibilidade de obter o título de residência a quem entrou legalmente no país. “Isso desrespeita o acordo da CPLP. No Brasil, já existem políticos que querem fazer uma revisão da Constituição para retirar privilégios semelhantes que os portugueses têm no país”, relata.
No que diz respeito à Justiça, ela indica a falta de clareza do projeto, quando afirma que apenas devem ser aceitos pelos tribunais ações caso a situação “comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis”.
Segundo Tatiana, a proposta repete o que tinha sido rejeitado pelo Tribunal Constitucional. “O texto é totalmente subjetivo. O que significa comprovadamente grave? Não há uma definição clara do que significa, o que quer dizer que é arbitrário”, explica.
Lista de inconstitucionalidades
O advogado Fábio Pimentel, do escritório CPPV Law, também considera que o projeto mantém as inconstitucionalidades que fizeram com que fosse derrubado pelo Tribunal Constitucional. “Uma delas é o prazo mínimo de um ano para o reagrupamento familiar, excluindo que tem Visto Gold e os altamente qualificados. Isso cria famílias de primeira classe e famílias de segunda classe. A Constituição portuguesa protege o direito da família, o Governo não pode relativizar o conceito de família”, argumenta.
Outro ponto do pacote anti-imigração que ele diz que vai contra a Constituição está no artigo 87-B. “O texto permite aos juízes considerarem a morosidade e a ineficiência da estrutura da AIMA como fundamento para decidir desfavoravelmente aos cidadãos”, diz.
O artigo afirma: “Em caso de ausência atempada de atuação da AIMA, o juiz deve ponderar, se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade, em face de eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações, os meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar, bem como ter em conta as consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA”.
Uma terceira inconstitucionalidade, na visão de Pimentel, é a que condiciona o acesso à Justiça a uma prova de que a morosidade da AIMA gera prejuízos ao cidadão. “Toda a morosidade do Estado é presumivelmente lesiva ao cidadão. Trata-se de uma inversão cruel do ônus da prova”, explica.
O advogado se refere à parte da lei em que encontra-se escrito: “Só é admissível o recurso à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, quando (…) a atuação ou omissão da AIMA comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, direitos, liberdades e garantias pessoais cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis”.
Pimentel também considera que a proposta de lei do Governo ultrapassa os limites do texto constitucional quando estabelece prazos excessivamente longos, maiores do que está previsto nos documentos que regem a administração pública. “O projeto prevê nove meses para que seja tomada uma decisão. Isso viola o Código de Procedimento Administrativo que prevê um prazo de 90 dias para a administração pública decidir. O Estado jamais pode considerar normal o período de nove meses para decidir”, frisa.
O advogado acredita que o Governo está mascarando a inconstitucionalidade. “A Assembleia da República tenta dar ao projeto a constitucionalidade formal, seguindo todos os trâmites para a aprovação. Mas é necessário olhar para constitucionalidade material”, conclui.
Notícias Relacionadas
Ops! Parece que não há nada aqui.